Os amigos estacionaram em frente à casa de Rita. Estavam numa euforia só, prestes a ir badalar em comemoração ao aniversário de dezoito anos de Mônica, que também estava no carro. Aqueles jovens estavam na fissura por uma bebedeira noturna. Rita apareceu na janela, fez um sinalzinho qualquer com os dedos, voltou pra dentro de casa e reapareceu em um minuto, pronta para ir finalmente.
— Arranca, Diego!! Hoje eu quero
me esbaldar— incitou Mônica, instruindo o amigo que estava ao volante.
Quando ele sorriu e deu partida
no carro, Rita o interrompeu, num ímpeto dramático.
— Peraí, gente! Eu pensei
melhor... Olha, eu não vou mais.
As outras três pessoas no veículo
olharam atônitas para Rita. Mas que história era essa agora, mal tinha entrado
e já queria sair?! Diego achou que era zoeira, Mônica tentava sacar se ela
falava sério ou não e Henrique começou a protestar, como sempre causando impacto
pela voz grave e sotaque pernambucano carregado.
— É sério, galera— insistiu Rita.
E aí começou a explicar:
— Gente, é que eu entrei aqui, me
passou um filme bem rápido. Eu vi minha vida passando diante dos meus olhos,
seriozão. De repente bateu uma aflição tão forte, mas tão forte, que eu senti
que era pra sair desse carro.
— Ah, cê tá de sacanagem, né?
Tipo aquelas premonições de filme?—indagou Mônica, com um ligeiro tom de
decepção na voz.
— Que premonição o quê! É algo
muuuuito real, isso sim. Pensem comigo: a gente sai pra comemorar o niver da
Moniquita, bebe uns tragos, dá uma zoada pela city, depois volta cada um pra
sua casa, certo?
Todos se entreolharam em
concordância. Rita prosseguiu:
— Não, não é certo. É errado.
Cara, vocês já pensaram se a gente sofre um acidente? Façam as contas: a gente
é quatro. O do volante e o do banco de carona tem uns bons porcentos de se
lascarem logo de cara, enquanto a Mônica e eu, aqui atrás, podemos pegar uns
ferimentos, mas nada impede que a gente se lasque também, quem sabe até pior
que vocês dois aí...
— Que papo é esse, Rita? Para com
esse lance, é sinistro demais— Diego estava ficando impaciente.
— Mas essa não é a pior parte,
gente. Vocês estão ligados que o sistema de saúde do Brasil tá meeeega
precário, né? Cara, eu juro, se for pra sair e sofrer acidente pra ter um
péssimo atendimento num pronto-socorro, eu prefiro ficar em casa. E você,
Mônica? Que Deus te livre, amiga, mas já pensou em ganhar esse presente de
grego no dia que faz dezoito anos? Ou se acontece algo ainda pior? Já até
imagino os jornais noticiando mais uma morte no trânsito, jovens que saíram pra
se drogar e foram irresponsáveis e bateram num poste e capotaram e um teve a
cabeça decapitada, o outro foi lançado pra fora do carro, aí veio um caminhão
que não teve tempo de frear e esmagou o cara e...
— CHEGA!!!!— a aniversariante deu
um grito estridente, já estava se tremendo toda.
Após o grito de Mônica, todos
ficaram em silêncio. Clima chato. Henrique, o nordestino de voz parruda, foi
quem quebrou o silêncio:
— Oxe, a gente só ia beber,
ninguém ia se drogar não...
Rita, agora mais contida, falou:
— Ai, gente, desculpa. Não tava
querendo trollar nosso passeio. Pô, na boa, desculpa mesmo. Mas é que eu não
quero me arriscar. Todo mundo aqui bebe, aí tem essa coisa de bafômetro, o
Diego não tem carteira de motorista, eu não tenho dinheiro pra pagar hospital
particular em caso de acontecer alguma coisa, e todo dia passa na televisão que
as condições da saúde brasileira estão meeega precárias, galera. Sei lá, já
pensou no mico de ficar toda quebrada em corredor de hospital porque lá não tem
condições adequadas? Olha, hoje em dia tá ruim até pra sofrer acidente. Ah, eu
não. Não mesmo. Tô fora. Sinto muitão, amigos. Fui.
Rita abriu a porta do carro,
começou a subir a calçada de volta para casa, quando Mônica a chamou. Rita
olhou para trás, esperando um comentário muito magoado da amiga. Mas teve uma
surpresa:
— Rita, então vamos voltar pro
plano A mesmo...
E passaram a noite comemorando o
aniversário de Mônica no pátio da residência de Rita. Bebendo coca-cola e
jogando Uno. Não pareciam uma maravilha de alegres, mas voltaram ilesos para
casa depois.
2 comentários:
Boa, MV! Gostei do "Oxe, a gente só ia beber" rs
Bacana, MV! Gostei do "Oxe, a gente só ia beber"! rs
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