(Denner)
Não quero fazer disso uma
narrativa de terror, muito menos ajudar a cultivar a sementinha da paranoia em
mentes de pessoas que apresentam tendência a se sentirem perseguidas. O caso é
que, há alguns dias, venho experimentando essa estranha sensação de estar sendo
seguido. Não por uma espécie de espírito ou algo parecido, mas por um ser
bastante real. A primeira vez rolou
no banheiro de um teatro, onde eu fui obrigado a ir por conta de uma droga de
peça infantil estrelada pelo Lucas, o pequeno megero que mora lá em casa. Quer
saber? O banheiro estava mais divertido do que a apresentação do meu irmão
caçula. Havia paz, calmaria e quem entrava lá apenas procurava fazer sua parte
e pronto. Nada de tentar impressionar ninguém ou de fazer um exibicionismo tolo
cheio de canastrice e dramaticidade exagerada. Olhando assim, Lucas parecia um
projeto de Jim Carey em pleno desenvolvimento.
Só que a paz parou de reinar
quando eu tive a impressão de estar sendo seguido. Muito mais do que isso, na
verdade. Observado. Isso, isso. Era essa a verdadeira impressão. Olhei para a
janela na parte mais alta do banheiro, que não passava de uma pequena vidraça
um tanto embaçada pelo ar noturno. Baixei a cabeça mirando o vaso sanitário,
enquanto dava meu jeito de “acelerar as coisas”, se é que você me entende.
Numa outra ocasião, enquanto
fazia um trabalho para a ANNA, caminhava por uma longa calçada, investigando o
objeto de paixão de um cliente, e aquela pulga atrás da orelha insistia em coçar.
De vez em quando eu olhava para trás, mas não via nada suspeito. No entanto, se
eu estivesse sendo realmente seguido, provavelmente a pessoa não seria uma
amadora. Ela não se deixaria ser pega nem mesmo como um vulto.
Fui convidado para finalmente conhecer
os pais de Rita. O problema gigantesco nisso é que os pais dela insistiram em
fazer uma grande reunião da família, o que se configuraria num baita desastre
para mim. Mesmo eu tendo dado umas desculpas para evitar esse encontro, não foi
o suficiente para dissuadir Dona Túlia e Seu Laerte. Talvez eu devesse ter dito
que minha família é cheia das mesquinharias e que eu não sou exatamente o filho
mais amado, e que mesmo eu levando uma namorada e seus pais para eles
conhecerem, eles não dariam muita importância. Em vez disso, insisti que meu
pai arrota sem pudor algum após as refeições, não importa quem esteja por
perto. Sei lá, a possibilidade de estarem expostas a cenas nojentas geralmente
melindram pessoas decentes.
“Ah, mas não tem o menor problema”, respondeu Dona Túlia na
ocasião, levantando-se e desaparecendo da cozinha, como quem fora buscar algo.
Quando ela retornou, segurava uma
medalha e a estendeu diante de mim, dizendo, com ares de orgulho e nostalgia:
“Eu já ganhei uma competição de arrotos na oitava série”.
“Mamãe arrotou o Creio-em-Deus-Pai inteirinho nesse dia”, explicou
Rita. “Foi imbatível”.
“Tá vendo, Denner?”, manifestou-se o Seu Laerte. “Parece que não iria faltar assunto pra
conversar com a sua família”, concluiu ele, trocando um olhar com a esposa.
“E depois disso eu aperfeiçoei o arroto do refrão de Galopeira”,
Dona Túlia acrescentou.
“Mentira, mãe!!”, Rita se surpreendeu, com um sorriso excitado.
“Pois te juro de pés juntos. Pena que não teve mais competições, então
só apresentei essa performance duas vezes para alguns amigos. E pro seu pai, é
claro”, ela lançou um olhar afetuoso para o marido, que retribuiu com um
sorriso de orelha a orelha.
O fato é que a história dos
arrotos do meu pai era mentira, e eu tinha visto meu pânico crescer, pois
acabara de descobrir que os pais de Rita não poderiam tocar naquele assunto
quando as duas famílias se reunissem. Nada contra eles, mas se fossem ficar tão
à vontade assim com seus relatos e medalhas, eu estava correndo um grande
perigo de meus parentes me caçoarem pro resto da vida. Afinal, se a família da
minha namorada tem alguém em casa capaz de vencer competições de arrotos e não
se reservam sobre o assunto, o que podem a respeito de flatulências? Não quero
descobrir.
No entanto, o problema que mais
me aflige é ainda não ter criado ousadia suficiente para enfrentar a maneira
como eles me tratam, de me impor. Só preciso de um empurrãozinho, alguns dedos
de coragem. Um pequeno incentivo e eu conseguirei deixar de me afetar com a
falta de consideração que eu sofro naquela casa.
Enquanto esse dia do almoço não
chega, estou envolvido em um novo caso. Eu fiz de tudo para que a reunião das
famílias fosse um jantar. Você sabe, um jantar acontece à noite, então, depois
de comer, as pessoas não gastam muitas horas batendo papo, pois o avançar das
horas as desencoraja a gastar muito tempo em casa alheia. Claro, isso é mais
comum entre pessoas que não se conhecem direito, e era com isso que eu estava
contando. Entretanto, um almoço oferece a chance de uma eternidade de conversas
banais que podem desencadear nos dois lados um relaxamento, fazendo-os ficarem
à vontade, o que é justamente o oposto do que aconteceria num jantar. Ou vai
ver que eu só estou conjecturando coisas que aconteceriam diferentemente do que
eu estou imaginando, apenas pelo desconforto que esse encontro vai me
proporcionar. Em suma, procurando desculpas para evitar o inevitável. Eu não tô
preparado.
Para completar, meu “estágio” na
ANNA acabou e desde então eu tenho cuidado sozinho dos meus casos. Embora eu
tenha pedido a supervisão do Sávio para este novo caso em particular, ele foi
bastante enfático em dizer que não seria possível, pois está cuidando de “algo
importante”. Impossível ser mais misterioso do que isso. Porém, se eu estou
querendo ganhar doses consideráveis de coragem, preciso me virar por contra
própria.
Meu atual cliente é um bombeiro
chamado Gregório Martins e ele achou de se engraçar por uma stripper de um clube de luxo, a Giselle.
Estou há dois dias de olho nela e atento aos seus passos, mas até agora nada de
anormal a seu respeito (exceto o fato de ela ser uma stripper, o que, por mais que eu não tenha nada a ver com suas
escolhas profissionais, me faz imaginar como alguém pode se sentir à vontade se
despindo por dinheiro).
O lance entre Gregório e Giselle
é que ele a conheceu pouco depois de ter se divorciado, e como ela era
diferente de todas as suas ex-namoradas e ex-esposas, vidrou na moça com uma
intensidade ferrenha. Todavia, segundo ele, não aguentará carregar o fardo de
ter uma namorada que trabalha dançando e tirando a roupa para vários homens
sedentos por um entretenimento adulto. Bastante justo. Suponho que, se você tem
uma namorada linda, já deve dar um trabalhão lidar com os caras que faltam
devorá-la com os olhos na rua, então imagine isso acontecer porque ganhar
olhares faz parte do ganha-pão dela. É um pepino e tanto, meus amigos!!
Passo numa lanchonete especializada
em comida vegetariana e peço um hambúrguer de soja e dois quiches de espinafre
para viagem, além de suco de abacaxi com hortelã. Não sou muito fã da comida
daqui, mas a melhor lanchonete da cidade que serve comida para o meu gosto fica
do outro lado da cidade, então me conformo.
“O senhor pode escrever suas críticas e sugestões para a melhoria da
comida e colocar na caixa de sugestões, senhor”, informa-me o atendente,
com um ar de sério e atencioso, provavelmente muito bem treinado para lidar com
os fregueses.
Dou-me conta de que tive mais um
pensamento oral, sorriso sem jeito e murmuro “desculpa”, retirando-me com a
minha comida o mais rápido que posso.
Estou num carro alugado. Ainda
não tenho condições de comprar meu próprio automóvel, mas já é um baita alívio
poder sair em missões da ANNA motorizado. A boate de luxo na qual Giselle
trabalha fica a três quadras daqui, o que explica eu ter preferido parar por
perto e fazer um lanche. Dirijo até o clube noturno e permaneço no carro,
comendo.
A primeira coisa que chama a
atenção é o letreiro em neon, com letras vermelhas e roxas exibindo o nome do
lugar: Sensation. Observo as pessoas
que chegam. Ou melhor, os homens.
Apesar de haver muitas mulheres no mundo que gostem de mulheres, não vi uma
sequer. Não sei como funciona para uma lésbica, mas os homens sempre foram mais
chegados a ficarem horas apenas contemplando mulheres se exibindo e rebolando
com pouca ou nenhuma roupa. O fato de um homem ser atraído por uma beleza
feminina que lhe cai à vista pode ser avassalador.
Sem algo melhor para fazer (já
que fui informado que Giselle só chega às onze da noite, e ainda são dez e
meia), vou imaginando histórias para cada homem que chega. É bom dar uma
exercitada na criatividade.
Porém, não vai ser divertido se
eu não chamar Rita para participar. Então resolvo telefonar para ela:
“Oi, amor! Você não vai adivinhar onde eu tô”, digo assim que ela
me atende.
“Hummm... Dentro de um cofre espionando o objeto de paixão de um
cliente?”
“Palpite bastante imaginativo, mas não. Tenta de novo!”
“Ah, meu Pokémon... Eu sou tão ruim nisso... Mas deixe-me ver...
Escalando um prédio de vinte andares só pra colher uma informação bombástica
pra ajudar um cliente”.
“Hummm... É... Não! Enfim, deixa pra lá. Eu tô num carro que aluguei,
são e salvo, aliás. Espiando umas pessoas entrarem numa casa de strip-tease”.
“Caraca, sério?”, ela se impressiona. “Que lugar louco pra se estar. Jamais imaginaria”.
Rio concordando.
“Mas então, amor, eu te liguei pra gente fazer uma brincadeirinha. O
objeto de paixão do meu cliente trabalha aqui, é uma stripper. Mas ela só chega daqui a meia hora.
Enquanto isso, vamos criar histórias sobre os homens que estão entrando no
local? Que tal?”
“Adorei!!”
“Tem um homem mais ou menos da minha idade entrando com outros dois
amigos, mas um deles parece bem mais velho. E aí, o que você acha que pode
ser?”
“Acho que é um repórter de TV e dois estagiários fazendo uma dessas
investigações escondidas. Você sabe, pra expor como é o submundo das
profissionais do nude”.
“Profissionais do nude?!”, respondo.
Jamais ouvi falar desse termo.
“Bom, sei lá como é o nome. Mas meu palpite é esse, porque é assim que
eu chamaria”.
“Pra mim, é um pai que veio trazer os filhos virgens para a primeira
noitada”.
“Mas aí é um bordel também?”
Acabo de notar que eu não sei
exatamente a diferença entre uma casa de strip
e um bordel. Nunca estive em um antes, nem jamais conheci alguém que já
estivera.
“E aí, Pokémon? Chegou mais alguém?”
“Um careca meio parrudo tá chegando, parece ter uns 40 anos, chegou num
carrão. Acho que ele é cliente fiel do lugar e, se duvidar, é tipo um cliente
VIP, com direito a todo tipo de regalias. Quem sabe ele até tem uma carteirinha”.
“Uau!! Sim, sim”, concorda Rita, entusiasmada. “Mas ele é muito mais do que isso. Ele é um cara mau e controla um
cartel de drogas recém-chegado na cidade, então os donos do clube são meio que
forçados a deixá-lo ser cliente VIP, senão vão ter problemas com ele, porque
têm dívidas com o pessoal do tráfico”.
“E o pessoal do tráfico só tá esperando um movimento em falso pra botar
fogo no lugar com todo mundo dentro, seguindo as ordens do careca”,
complemento.
“Esse cara deve se chamar Heinsenberg”, Rita coroa a história com a
melhor piada.
Com isso, seguimos boa parte do
telefonema rindo e acrescentando outros detalhes esdrúxulos.
“Amor”, interrompo nossa sessão de risadas, avistando mais um
cliente. “Tá chegando mais um cara. Mas
você não vai acreditar na figura. É um sujeito magricela e cabeludo e tão
baixinho que dá vontade de atirar o resto do meu quiche pra ele comer, tadinho!
Sem falar que tá usando um terno amarelo. Rita, definitivamente eu tô olhando
pro cara que pega dicas de moda com o Didi Mocó”.
“Hahahahaha!! Amor, que maldade! Não subestime o magrinho. Ele na verdade
é o cara mais rico do clube, mas não pode dar muito na vista, porque não sabe
que tipo de gente pode encontrar na noite. Só quer ser discreto e passar
despercebido. Além do mais, se aí também for um bordel, ele tem que aproveitar
que pode pagar pra ter uma garota”.
“O careca do tráfico mastigaria esse magrinho com apenas dois dentes,
sabia? Meu Deus! Nunca vi alguém tão magro. Com todo o respeito, amor, você
também é bem magrinha, mas esse cara precisa abrir os braços para não cair pelo
ralo quando tá tomando banho”.
Rita ri da minha piada, embora eu
saiba que ela já conheça essa. Que, a propósito, não foi inventada por mim.
“Peraí, que eu vou tirar uma foto desse cara, só pra você ver que eu
não tô exagerando”.
Discretamente, tiro a foto com o
celular como prometido e envio instantaneamente. Rola uma pausa na ligação e,
depois, Rita volta a falar comigo, rindo mais ainda.
“Nossa, é verdade!! Eu demorei a falar porque ele é tão magro que eu
não tava encontrando na foto”.
E seguimos rindo. É cruel fazer bullying das condições físicas das
pessoas, mas confesso que isso está me desestressando. O que também não
justifica, mas... Eis que, um pouco antes do previsto, Giselle também está
chegando.
“Rita, ela já tá aqui. Vou ter que desligar”.
“Tudo bem, Pokémon! Eu também já ia desligar. Hoje até que tá calmo
aqui. Quero dizer, ninguém ligou até agora dizendo que quer se matar. Mas, se
for o caso, tô bem preparada. Boa sorte, meu Pokémon! Te amo!!”
“Pra você também. Salve vidas, meu amor. Beijo, te amo!”
Giselle desaparece pela porta de
entrada e me dói na alma quando vejo que não há mais para onde correr. Terei de
adentrar esse território desconhecido.
Mal entro na boate e já me sinto
zonzo. A iluminação do local é de deixar qualquer ser humano normal tontinho. Uma
salada de luzes que se desloca pelo ambiente de um lado para outro, alternando
cores. Não sei se com o tempo a gente se acostuma, mas no momento tudo em que
eu consigo pensar é se tenho remédio pra náuseas em casa, porque decididamente
vou precisar. O que se faz quando se entra num lugar desses? Não curto álcool.
Não posso me aproximar do bar e pedir alguma coisa. Se eu pedir um
refrigerante, vão pensar que sou virgem e é capaz até de pedirem um documento
que comprove minha idade. Sem falar que isso atrairia atenção indesejada. Sou
um agente da ANNA e, como tal, tudo que eu menos preciso é dar bandeira. Devia
ter feito uma pesquisa prévia, uma lição de casa. Fico aliviado por essa missão
não estar sendo supervisionada pois, do contrário, eu teria sido reprovado no
quesito preparação.
“Afonsim!”, ouço uma voz a alguns passos. Apesar da proximidade
entre a pessoa que fala e eu, o que ouço é um grito, por conta da música que
está tocando, um funk americano.
O cara, um louro magro com camisa
azul-marinho, vem em minha direção. Ele está segurando uma garrafa de cerveja long neck. Seu semblante demonstra uma
estranha alegria, que não deve estar sendo causada só pela bebida.
“Eu num botava fé que tu vinha, rapaz”, ele dá uma porrada forte no
meu ombro. O sujeito fala com forte sotaque nordestino.
“Desculpa, amigo, eu não sou quem você tá pensando que eu sou. Você tá
me confundindo”, digo, o mais afável possível.
“Mas, moço, deixe de história! Tá parecendo um fresco falando desse
jeito, Afonsim”.
“É sério, cara. Meu nome não é Afonsinho. Foi mal, mas não te conheço”.
Visivelmente embriagado, o maluco
escancara a bocarra e começa a rir como se não houvesse amanhã. Depois que
termina com o ataque de gargalhadas, faz um sinal pro DJ da festa, que abaixa a
música na mesma hora. Pelo visto, o louro nordestino tem alguma autoridade aqui
dentro.
“Olha só, galera!”, berra o louro, ganhando atenção de boa parte
dos presentes. “Depois de anos sem botar
os pés aqui na Sensation, o nosso
cabra favorito resolveu dar as caras. Uma salva de palmas para o nosso
maravilhoso e amigão do peito... Afonsim!!!”
E aponta as mãos para mim,
seguido de uma saraivada de aplausos e gritos de “uhuuu”. E, pasme, o sujeito
volta a se aproximar, só que desta vez evidentemente emocionado, com os olhos
vermelhos lacrimejando e tudo mais.
“Dê cá um abraço, meu amigo”, suplica ele.
“Mas... Mas, eu...”
“Oh, Afonsim coração de pedra, meu Deus!”, o louro me pega e abraça
à força. “Você num perde esse seu jeito
durão, né mesmo? Larga isso de mão, Afonsim!”
Excelente! O que foi mesmo que eu
disse sobre atrair atenção indesejada?
“Rapaz, eu tava morrendo de saudade de você, viu?”, ele cochicha,
enquanto soluça de tanto chorar. “Hoje é
tudo por conta da casa, tá? Não se avexe com nada, viu, Afonsim? Hoje a melhor
mulher vai ser tua. Hoje eu vou te dar Giselle. A melhor da casa, pro melhor
amigo que eu já tive. Agora me abrace, homi, me abrace. Vamos deixar as
diferenças de lado. Hoje é um novo dia”.
E o DJ volta a tocar música,
desta vez uma espécie de música latina, acho que reggaeton, com uma batida insistente e sensual. Mas a única batida
que insiste em minha cabeça é a das seguintes palavras: isso não vai dar certo.
Qualquer que seja o santo que
protege os caras encrencados em boates de strip-tease,
este santo deve estar se apiedando de mim. Além de eu ter me livrado da
companhia do louro bêbado, toda essa situação me deu um belo plano para
prosseguir com minha investigação. Agora que estou num quarto aguardando por
Giselle (o que também serviu para tirar minha dúvida se aqui também se
praticava o meretrício), vou contar a ela que fui confundido com alguém e por
isso vim parar aqui. Obviamente, não contarei o que realmente estou fazendo na
casa, mas até lá terei engatado uma conversa que me forneça informações que
possam me ajudar. Há males que vêm para o bem, como diz o ditado. Há mal
entendidos com bêbados em clubes de strip
que facilitam o trabalho de um agente do desapaixonamento.
Encontro um bom lugar para
esconder o celular e deixá-lo filmando. Nenhum detalhe será perdido do que vai
acontecer neste quarto, e terei evidências para fechar mais um caso para a
ANNA. Tiro os sapatos e a camisa, só para manter a historinha e dar a parecer
que estou à vontade. Vou manter as calças por enquanto porque, bem, eu não
estou intencionando fazer nada, obviamente. E também porque não me sinto à
vontade com desconhecidos me olhando seminu.
De repente, começa a tocar Girl on Fire, da Alicia Keys. A luz do
quarto em que estou fica vermelha e Giselle entra, caminhando sensualmente pelo
ambiente, com um olhar felino e penetrante. Cara, uma barra desce do teto, assim
do nada, lentamente. E Giselle começa a praticar pole dance embalada pelo som da canção. A moça é bastante jovem, possui
feições indígenas, e o corpo deve estar todo besuntado com óleo, a ponto de
brilhar e refletir a luz rubra. Exageraram no óleo, porque tá brilhando pra
caramba.
Ela dança bem, devo admitir.
Passo mais tempo enumerando quais detalhes dessa história eu vou deixar de fora
quando for contar para Rita do que prestando atenção na garota, embora eu seja
completamente inocente. Mas sabe como as mulheres são, né? Na época que eu era
solteiro essas coisas não aconteciam assim, tão gratuitamente.
Decido esperar o espetáculo
acabar e, assim que nosso contato se iniciar, abrirei o jogo. Só que, então,
mais duas garotas entram, vestindo um robe e com as cabeças cobertas por um
capuz. O robe está aberto e elas estão de peças íntimas. Não vou negar, são
mulheres bastante atraentes. Onde é que um cara como o louro arranja tantas
meninas bonitas para ganhar a vida em seu clube noturno? O que os pais dessas
moças pensam que elas estão fazendo da vida?
Deixando a reflexão de lado, meu
foco é no fato de que cada uma delas carrega duas velas acesas.
“Tem certeza que precisa disso, gente?”, pergunto, intrigado.
Sou ignorado, é claro. Isso deve
fazer parte do que quer que esteja rolando aqui. Cada vela é posta num dos
cantos do quarto. Da cama, assisto a tudo com um toque de preocupação. E
Giselle continua dançando (eu achava que essa música era mais curta). Uma das
garotas retira um vidrinho de perfume e espalha pelo piso do quarto. É uma
essência bem gostosa, mas acho que ela derramou demais. A outra, por sua vez,
chega a mim, sorrindo maliciosamente, pega um dos meus braços e o amarra à
cabeceira da cama. Sua parceira repete o ato. Então noto que elas são gêmeas.
“É sério, eu só vim aqui fazer o básico mesmo”, tento me safar,
ainda sustentando a mentira de que sou um cliente.
“Mariano mandou você ter o melhor tratamento”, diz uma delas.
Ah, então o nome do cara que
confunde supostos grandes amigos é Mariano?
“Ele disse que é pra você ser servido como nos velhos tempos”,
conta a outra.
“Pois é, mas é que essa parte de ser amarrado eu não curto mais”,
alego.
“Shhhh!!!”, Giselle é quem me manda silenciar, fazendo biquinho e
dando uma piscadela, abandonando o pole.
Ela vem andando até a cama, sentando-se ao meu lado, e então as gêmeas se
retiram.
“É o seguinte”, eu começo, e descubro que as meninas foram muito
malvadas, atando meus braços muito rigidamente. “Giselle, não é? Olha só. Tá rolando um engano aqui. Eu não conheço o
Mariano. Mas não quis ser indelicado com ele, sabe? Então por favor, se você
puder me ajudar a sair daqui... Eu só vim beber e ver as meninas fazendo strip. Desculpa por tomar o seu tempo”.
Ela se posiciona de modo que fica
com o corpo acima do meu, mas sem que eles se toquem. Sinto um pingo do óleo
cair sobre meu peito. Ou pode ser suor, tendo em vista que ela se entregou pra
valer no pole dance. Uma ereção
inconveniente é tudo de que não preciso no momento. Amo minha namorada, amo
minha namorada, amo minha namorada... Se isso não der certo, vou pensar no
Amadeu, meu antigo cachorro que certa vez me arrancou um pedaço de carne da
perna. Sempre funciona.
Ela me olha com cara de confusa.
“Se você ama tanto sua namorada, por que veio até aqui?”
Só tenho de ser cuidadoso pra
esses pensamentos orais não me meterem em apuros. Já basta de confusão por
hoje.
“Pois é, Giselle. Eu amo a minha namorada. Tô arrependido de ter vindo
aqui, será que você pode me ajudar e desamarrar as cordas?”
Ela se levanta da cama, cruza os
braços e percorre o quarto, pensativa e chateada.
“Hummm... Giselle? Será que você poderia...?”
“Quem dera eles fossem iguais a você”.
“Eles?”
“Os homens que frequentam esse lugar. Eu só continuo trabalhando aqui
porque os clientes ricos do Mariano vivem pedindo por mim. E cadê que algum
deles já teve essa atitude tão bonita que você tá tendo? Não!! Nunca!! Eles só
querem prazer, prazer, prazer...”
“Ahn... É, é verdade. Escuta, você não precisa se preocupar com isso,
porque eu vou dispensar esse prazer. Foi tudo um grande mal entendido, sabe.
Então, se você puder me ajudar com as cordas...”
“O meu sonho mesmo é ser professora de educação infantil, sabia? Tive
que trancar a faculdade de Pedagogia duas vezes por causa do Mariano”.
Droga!! Eu doido pra escapar
dessa porcaria de “amarra sexual” e a mulher acha de fazer de mim um muro das
lamentações justo agora. Ah, não!
“Eu sei o que você deve estar pensando”, continua ela, e agora
começa a falar consigo mesma como se fosse eu: “Nossa, Giselle, mas por que você não pega seu rumo e pede demissão
desse emprego baixo e humilhante onde você tem que dedar homens por quinhentos
reais a hora?”
Fico me debatendo como um louco
para atrair a atenção dela, quando paro abruptamente ao ouvir o que ela acabou
de dizer:
“Quê que foi isso aí que você disse? Dedar?!”
“Ai, desculpa”, agora ela me vê, essa filha da mãe. “Você tá aqui por engano, eu me esqueci. É
que os meus clientes vêm aqui pra ser dedados por mim. É do que eles gostam. Eu
sou a única da casa que trabalha especificamente com isso. É pra isso que sou
procurada. Tanto que meu nome de guerra é Giselle-dedinhos-sorrateiros”.
Sinto um arrepio nas proximidades
do rego, que se transforma num crescente nojo.
“Então... Então o tal do Afonsinho gostava de uma dedada, é isso?”,
sondo, ainda estupefato com a confusão da qual, graças a Deus, estou saindo
ileso.
“Afonsinho? Não, não, querido! O nome dele é Afonsim mesmo”.
“É mesmo? Pensei que o Mariano falava Afonsim por causa do sotaque.
Mas, enfim, ele curtia?”
“Aff!”, ela se aborrece. “Nunca
atendi esse doido, não sou da época que ele frequentava aqui, mas pelo que ouvi
falar, era um imbecil que cuspia nas meninas durante... você sabe. E ouvi falar
que, além de cuspir, ele também beliscava e dava tapa na cara. Sendo que, na
hora de pagar, ele não pagava o preço que incluía os tapas. O cara era um
folgado desgraçado. Tá devendo uns vinte tapas pra Francine”.
“Certo. História legal, Giselle, mas eu realmente já tô ficando bem
desconfortável. Eu definitivamente não estou aqui pra levar dedadas. Sem
ofensa, tá? Se você é tão requisitada, provavelmente deve fazer um ótimo
trabalho”.
Mano, o que é que estou dizendo?
Será que a agonia já está derretendo meus neurônios?
“Mas você precisa me tirar daqui”, falo o que realmente importa.
Ela finalmente vem e me ajuda. Dá
um certo trabalho, mas pelo menos estou sendo libertado. Ufa!
“O problema maior, na verdade, nunca foi o Mariano”, então ela torna
a conversar como se eu fosse alguma amiga íntima. “Todo mundo sabe que quem manda de fato na Sensation é o Cabide, isso sim. E eu sou a droga da
menina dos olhos dele. Pra ser sincera, é por causa do Cabide que eu não caio
fora”.
“Quem é esse tal de Cabide?”
“Ele é um manda-chuva das drogas, e usa a boate pros negócios dele”.
“E ele é perigoso?”
E minha pergunta é respondida da
pior maneira. Alguém dá um chute que arrebenta a porta do quarto, adentrando o
cômodo com fúria no olhar. É o careca parrudo que vi pouco antes de entrar na
boate. O cara que Rita apelidou de “Heinsenberg” e que, juntamente comigo,
montou a história de que ele era um chefão de algum cartel de drogas. Como
poderíamos sonhar que aquela brincadeirinha tivesse tanta exatidão?
Transtornada, Giselle pega uma
das velas do quarto e ameaça:
“Tem certeza que quer encarar? Eu não tenho medo de usar essa vela,
hein!!”
“Giselle, por favor, não faz nenhuma besteira!”, eu clamo, mais
pelo medo do que possa acontecer à minha vida do que por qualquer outra razão.
“Heinsenberg” a encara, parado e
respirando arfante. Só não entendo por que o chamam de Cabide. Bom, nem todo
nome no mundo do crime faz sentido. Aposto que deve ter toda uma história por
trás, um contexto que faz bastante sentido...
“Do que você tá falando, idiota?”, ele parece notar minha presença
só então, após ouvir meu pensamento oral. E vocifera as palavras: “Eu não sou o Cabide!!”
E outra pessoa entra. Quando
entendo o que está acontecendo, o cérebro dá um nó. O magricela de quem eu fiz
troça também ao telefone com Rita está aqui no quarto, ainda com seu engraçado
terno amarelo e também uns óculos escuros ornando a face esquálida. Só agora
noto que no bolso externo do seu paletó há um girassol pregado. Era só o que me
faltava: minha vida correndo perigo por causa do cosplay do Falcão.
“Valeu, Grande B. Obrigado por abrir a porta pro Cabide!”
Além de ter o timbre mais agudo
que eu já ouvi, o cara fala de si mesmo na terceira pessoa. Essa noite só
piora.
Cabide tira os óculos, tentando ser
pomposo nos gestos, mas só parece um cara muito desagradável. Ele me dirige um
olhar avaliativo, depois se volta para Giselle:
“Cabide ouviu umas histórias, Giselle”, diz ele.
“Não são histórias”, retruca ela, agressiva. “Eu vou largar esse emprego, Cabide!”
“Você sabe que Cabide não gosta desse tipo de histórias, não sabe,
Giselle?”
“Por favor! Ei! Ei, amigo!”, este sou eu, esforçando-me. Talvez eu
possa fazer algo.
“Cala a boca!”, rosna o Grande B, aparentemente o capanga mais fiel
de Cabide. Rita, a gente errou feio nessa. O que será que significa o B?
“Esse imbecil está no meio de um fogo cruzado e tá preocupado com o que
significa o B do Grande B?”, diverte-se Cabide, voltando a olhar para mim.
“Nem chega perto de mim, Cabide!”, Giselle ergue a vela mais alto.
“Calma, gatinha! Cabide só quer conversar. Sabe, Cabide acha que você
tá merecendo um aumento. Mas pra isso você tem que sentar e conversar com
Cabide”.
Ele vai andando a passos lentos
em direção a Giselle.
“O que você acha, Gi? Vai conversar com Cabide?”
“Não chega perto!!”
“Relaxa...”
“Não chega perto!”
“Cabide tem proposta boa pra você”.
“Eu tô avisando”.
“Cabide não quer te machucar...”
Mas que irritante essa estupidez
de ficar se referindo a si mesmo na terceira pessoa. Chega a dar uma comichão
nos ouvidos.
“O que você disse?”, Cabide se vira para mim, ouviu meu pensamento
oral. Porém, ao mesmo tempo em que faz isso, seus pés vão para frente para ele
poder virar todo o corpo na minha direção.
Quando Cabide dá esse último
passo, não há tempo para pensar em mais nada. Completamente decidida, Giselle
atira a vela contra o chão do quarto, que está cheio de uma quantidade
suficiente de perfume para causar um estrago ao entrar em contato com a chama.
Quanto a mim, não sei de onde me vem tanta confiança e bravura, e com a
velocidade mais incrível e louca que eu já empreguei em minha vida, pego um dos
meus sapatos e taco na cara do Grande B, que cambaleia e, apesar de não cair,
se afasta o bastante para eu correr em direção à saída. Minha última visão foi
um flash do fogo ganhando altura e se
espalhando com veemência. Para trás, ficam gritos desesperados. Não tenho
Giselle no meu campo de visão enquanto corro, mas ela também não estava mais no
quarto quando fugi. Depois de descer algumas escadas, me deparo com o louro
Mariano, balançando a cabeça espantado ao me ver de saída.
“Mas, rapaz, eu num acredito que tu já vai embora”, reclama ele.
“Sai da frente, doido!”, eu o empurro contra o balcão do bar,
reduzindo um pouquinho a velocidade dos meus passos ao fazer isso.
“Ei!!”, grita ele, enquanto vou marchando para a saída. “Ei!! Tu tá ficando abestalhado, é, Afonsim?
Oh, Afonsim!! Volta aqui, homi!”
“Fogoooo!!!”, ouve-se um berro pouco antes de eu atravessar a porta
da boate. Um alvoroço dos grandes toma forma.
Já na rua, tenho o ímpeto de
apanhar o celular no bolso da calça e ligar para a polícia e também para
Gregório, já que ele é dos bombeiros. E fico profundamente irritado ao ver que
ele ficou no quarto e, à altura do campeonato, já está sendo dilacerado pelo
incêndio. Olho para o carro no qual vim até aqui, penso novamente no celular
com toda a filmagem para me ajudar no caso, hesito. Minha vida em primeiro
lugar. Entro no carro e dou o fora. Nesse momento, tudo que dá pra fazer é
agradecer a Deus por eu ter continuado de calças.
Durante meu encontro com
Gregório, resolvo compartilhar tudo que aconteceu ontem. Ele está a par de
várias coisas, pois sua unidade foi a responsável por ir apagar o incêndio na Sensation. Inclusive, ele me informa que
o capanga Grande B sofreu queimaduras de primeiro e segundo graus, enquanto que
Cabide está praticamente ileso, exceto por uma queda que levou enquanto tentava
fugir. Nunca mais subestimarei um magrelo. Quanto a Giselle, ela também está
bem, e quando indago a ele sobre como ela escapou, ele me diz:
“Ela me falou que, assim que atirou a vela, se pendurou na barra de pole
dance e acionou o botão que sobe a barra
na velocidade extra máxima. Ela disse que eles têm esse recurso pro caso de
algum cliente quiser praticar alguma violência ‘além da aceitável’, segundo as
próprias palavras dela”.
“Que loucura!”, declaro.
“Sinto muito pelo seu celular”.
“Nem me fale”.
“Mas você não conseguiu nada que pudesse me ajudar? Mesmo sem gravações
nem nada, não conseguiu alguma informação que pode ser útil?”
Examino seu rosto e vejo pelo seu
olhar que está disposto a acreditar nas minhas palavras, mesmo eu estando
desprovido de provas. Sorrio e fico satisfeito por ver que eu não escapei de
fogo e dedadas em vão.
“Bom, acho que você já constatou por si só quais são as implicações de
se namorar a Giselle. Depois de ontem, agora que o Cabide não vai deixá-la em
paz. Ou seja, além da garota ganhar a vida tirando a roupa e fazendo fio-terra
em homens, tem um traficante perigosíssimo na cola dela. E pensar que ela só
queria concluir a faculdade de Pedagogia e dar aula pras criancinhas”,
suspiro ao final.
“Você tem razão”, concorda Gregório. “Mas, me diz uma coisa. Foi ela quem te falou sobre esse sonho de ser
professora? Quero dizer, é sério que essa é a grande ambição da vida dela? Uma
coisa tão comum. Até mesmo... bobinha”.
“Sim, ela me disse isso”.
“Pôxa”, ele parece muito desapontado. “Minhas ex-esposas são professoras. Minhas irmãs e minha mãe também. E
só vejo elas frustradas e reclamando. Inclusive me separei da minha última ex
porque ela vivia me avaliando e dando pontuações em tudo que eu fazia. Na sexta
vez que fiquei de recuperação, chutei o balde”, relata ele. “Eu
pensei que a Giselle tinha aspirações de verdade na vida. Até te falei que ela
era diferente das outras mulheres que eu tive na vida, mas não esperava por
essa decepção. Sabe, eu podia lidar com o fato de namorar uma stripper, mas uma professora... Tinha que ser logo uma
carreira tão desprestigiada?”
“A gente nunca está preparado pra esses golpes da vida”, ironizo.
Gregório me estende o cheque com
o pagamento pelo serviço. Pego-o e nós apertamos as mãos.
“Obrigado, Denner. Vou indicar a ANNA aos meus amigos, com certeza”.
“Contanto que eles não estejam a fim das outras meninas da boate”,
brinco, mas no fundo não poderia estar falando mais sério. Quero passar todos
os próximos dias da vida longe daquelas proximidades.
Não me importa se o motivo para
Gregório se desapaixonar seja baseado na opção de carreira com a qual Giselle
sempre sonhara, tudo que eu quero é partir e não precisar mais me lembrar dessa
situação.
“Acho que eu vou cortar uns dois dedos do meu cabelo”, Rita
comenta, em nossa primeira vez juntos desde o ocorrido.
“Por favor”, rogo. “Não
mencione dedos por um tempo, tá?”
Ela me olha e contempla o meu semblante
com sombras de melancolia.
“Não fica assim, meu Pokémon”, ela me consola.
“Aquele celular tinha muita coisa importante, amor. Perdi um monte de
fotos nossas e outros arquivos relevantes que eu tinha no cartão de memória”.
“Eu te avisei que era pra gente testar se eu podia fazer backup mental dos arquivos. Eu te falei que depois
que os Valpixianos me reiniciaram, ganharia habilidades. Vai que essa é uma
delas. Mas, não, você é teimoso”.
“Hum...”, resmungo e reflito ao mesmo tempo, lembrando-me do quanto
fui corajoso para enfrentar o grandalhão do Grande B. Se eu tivesse pensado
antes de lhe atingir com o sapato, não teria tomado essa atitude. Vendo por
esse lado, no momento em que perdi algo, ganhei outro. Perdi um celular e
ganhei mais autoconfiança. É como se fosse uma troca e uma espécie de equilíbrio
tivesse sido mantido. Só espero que o grandalhão não seja vingativo e resolva
me caçar.
“Confesso que eu gostaria de ter visto esse vídeo que você tava
gravando pra mostrar ao cliente”, afirma Rita.
Levando em consideração que eu
preferi poupar minha namorada de detalhezinhos como a presença das garotas
seminuas de capuz e a dança de Giselle, realmente agora não resta a menor
dúvida de que foi bom ter perdido o telefone. Independentemente do caldeirão de
emoções confusas vividas nesses últimos dias, tenho a certeza plena de que as
coisas estão como deveriam ficar. E é bem melhor assim.
“Tô a fim de dar uma volta. Vamos?”, sugiro para ela.
“Vamos! Mas... tem uma condição”.
“Já sei, já sei. A gente vai parar nas praças pra ver se você pode
mover as árvores com a mente. Faz tempo que você tá me pedindo isso”.
“Ah, Pokémon!! É que eu sinto que a minha habilidade adquirida tem a
ver com a minha mente. Eu tenho uma certeza tão grande, sabe? Eu tenho que
tentar. Até conseguir”.
“Então vamos lá!”
Ela abre a boca como uma criança
que recebeu a proposta para fazer seu passeio favorito. Rita me abraça com
ternura e animação. Por mais que essas ideias malucas dela não façam muito
sentido, o que importa? É isso que me faz ficar mais e mais apaixonado. E agora
que eu sei que posso tomar iniciativas decisivas, bastando acreditar nisso,
nada melhor do que brindar esse novo pensamento me cercando de coisas boas.
(Enquanto isso, a alguns metros
do outro lado da rua...)
O casal se entreolha. Estão
dentro de um veículo preto peliculado, sem chamar atenção. Ambos sabem que
finalmente encontraram a pessoa certa.
“Qual é o próximo passo?”, indaga o homem, ajeitando o chapéu sobre
a cabeça, trajando um terno cinza.
“Precisamos consertar o que eles fizeram”, responde a mulher,
cabelos loiros presos num rabo-de-cavalo; seus olhos azuis mal se movem.
“Disso eu sei”, replica ele, irritadiço. “O que me chateia é que eu tinha um plano e você não gostou. Portanto,
deve ter um melhor, certo?”
“Tenho sim”, ela é seca em suas palavras, indisposta para uma
discussão. “Mas primeiro temos que
encontrar uma forma de abordar o rapaz sem assustá-lo”.
“Então, é esse o próximo passo a que eu tava me referindo”, ele
retruca, meio impaciente.
“Quando formos jantar, eu te explico melhor”.
Ele a encara com certa dúvida.
Mas sabe que ela dificilmente falha em suas convicções. E que se abre um pouco
mais quando está alimentada.
“Por hoje está bom”, ela parece exausta, dando a entender que devem
ir embora.
O homem dá a partida no carro e
eles vão para longe dali, atrás do tal jantar que ela mencionara. Denner e Rita
continuam com o ar vívido e risonho lá fora, felizes. Nem imaginam que estavam
sendo vigiados.
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