Há um velho que vive no topo de
uma colina muito, muito alta. Seu lar é uma caverna fétida que, volta e meia,
está empesteada de abutres que pairam por ali.
No entanto, o povo da tribo
Ashkar busca os conselhos do velho há quase um século. É uma tradição e uma
honra. Há cerca de três anos, os Ashkar venceram a guerra dos setenta e nove
dias contra a tribo rival, os Nazraul, que costumavam viver do outro lado do
rio, e que agora estão extintos. Tudo isso graças às orientações do velho
sábio, que dera as devidas coordenadas estratégicas para todos os momentos e
batalhas na peleja contra os Nazraul.
Em outra ocasião, durante o
último verão, quando uma grave seca parecia se alastrar pela terra sagrada dos
Ashkar, o velho sábio lhes orientou que acendessem uma fogueira bem alta,
desenhassem um círculo com sangue de animais em volta dela, e dançassem para a
deusa Rhayan durante oito dias e oito noites, alternando-se em grupos, para que
os ritos não se tornassem cansativos para uma pequena porção de pessoas. Ao fim
do ritual, houve um período chuvoso como jamais existira na história daquela
civilização, e a colheita fora farta e por um ano os Ashkar não precisaram
plantar coisa alguma.
O velho sábio, cuja identidade e
história ninguém sabia, nem mesmo os membros mais antigos da tribo, passou a
ser tomado então como sacerdote, estrategista militar, conselheiro amoroso,
conciliador para conflitos, curandeiro e qualquer outro título que pudesse
remeter a algum serviço essencial para a vida humana. E assim a prosperidade
dos Ashkar ia se perpetuando.
E o mais extraordinário de tudo: o
velho ajudara a todos sem jamais abrir a boca para pronunciar uma palavra
sequer. Relatos de quem já escalou a colina revelaram que, sempre que
consultado para algum fim, o velho sábio sempre se mostrara impassível, plácido
como uma aranha que tece pacientemente sua enorme teia, silenciosa e sagaz.
Esses mesmos relatos informaram que as respostas do velho sábio vinham horas
mais tarde, em forma de sonhos ou mensagens que surgiam como claros sinais na
natureza ou até mesmo no comportamento dos animais. Ou, de forma ainda mais
óbvia, através de inscrições nas paredes das casas ou na areia da praia. Havia
uma versatilidade admirável nas ações do velho sábio até nisso.
O único relato que deverá
permanecer em silêncio, provavelmente, é o do pequeno Yamit. Filho do capitão
do exército que liquidou com os Nazraul, o pequeno valente mal devia ter dez
anos quando escalou sozinho a colina. Ávido por uma resposta sobre seu amor
impossível por uma garota que só encontrava em seus sonhos, Yamit estava
disposto a encarar a orientação certeira do velho sábio, mesmo que tudo que ele
tivesse fosse uma bronca por sua audácia em fazer a perigosa escalada por conta
própria. Entretanto, Yamit era otimista e contava com a hipótese de que o velho
lhe desse os parabéns por tão arriscada empreitada e, quem sabe, até lhe
fornecesse as pistas necessárias para encontrar a doce menina.
Mas a frustração de Yamit, a qual
ele levará para sempre consigo e da qual jamais se esquecerá, por mais que
tente, foi quando, depois de reverências e apresentações, apercebera-se de algo
muito perturbador. A ponto de desmaiar com tanto fedor que permeava a caverna,
o menino culpou-se gravemente por ter se esquecido de levar algo para proteger
as narinas, contrariando um dos detalhes cruciais das narrativas que ouvira
sobre as visitas ao velho. No entanto, num ato de extrema ousadia e jamais
recomendado por ninguém, o garoto aproximou-se do velho, sentado como uma
estátua sobre uma grande pedra, os olhos serenos fitando uma parede à sua
frente. O mau cheiro ficou ainda pior.
E foi então que Yamit descobriu
que sua petição jamais seria atendida, pois, a julgar pela falta de respiração
do velho sábio, além de sua face quase inteiramente carcomida, aquele corpo
imóvel devia estar jazendo sem vida há várias décadas.
Yamit não teve coragem de puxar o
pano que cobria o corpo do velho. Havia alguns buracos no lençol e, certamente,
seriam das bicadas dos abutres tentando arrancar a carne morta ao longo dos
tempos.
Num só ímpeto, o garoto correu
para fora da caverna, horrorizado, procurando fazer a descida da forma mais
veloz que pudera.
Daquela noite em diante, a menina
desaparecera dos sonhos de Yamit.
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