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2 de outubro de 2011

crônica: VELHOS!



Odeio pegar ônibus pela manhã. Levo mais de quarenta minutos para chegar ao trabalho, aquele escritório entediante e cheio de gente falsa. A decoração da minha sala (ou melhor, meu cubículo) é deprimente. Já reclamei tantas vezes para a Mária de Fátima dar um jeito naquele papel de parede tom pastel, tão ridículo quanto o salário humilhante que eu ganho. 
Entretanto, nada me aborrece mais do que a quantidade abundante de idosos que sempre embarcam no coletivo. Eu os odeio do fundo da alma, porque obrigam as pessoas a adotarem uma postura de solidariedade ao abdicarem de seus bancos. Ora, ninguém tem culpa se estão com os dias contados, quem mandou terem nascido séculos atrás?
O ônibus percorre essa cidade sem-graça e, por ser horário de pico, o inferno é ainda maior: parece que a viagem dura o triplo do tempo. E os malditos velhotes de todas as espécies continuam surgindo. Pergunto-me o que tanto tem pra fazer todas as manhãs, por que não ficam em casa criando galinhas ou sentados em frente a suas casas vendo os carros passarem. Viver o tédio em que se transformaram suas vidas.
Alguns dos velhos gargalham, fofocam coisas sem sentido algum pra mim, falam alto e demonstram uma vivacidade estranha, incompreensível. Alguns, por outro lado, mantém sua normalidade, suas faces abatidas ou rabugentas, cansadas ou... Ah, velhos! E eu ainda gasto tanto tempo ponderando sobre eles...
Tiro o celular do bolso, preciso ligar para avisar que vou chegar atrasado outra vez. Tenho uma mão segurando a barra do ônibus (já que estou de pé, graças a algum velhote frágil, sem firmeza nos músculos). A outra mão está ocupada discando para o escritório. Chama. Alguém atende. Falo em bom tom, discretamente, para não chamar a atenção dos outros, diferente do que os velhos sem-noção fazem. 
Um rapaz me olha, me encara. Preferiria que a moça morena ao lado dele me encarasse. Ela é linda. Finalmente começo a me distrair, a esquecer dos seres jurássicos que transtornam a viagem de ônibus. A moça morena está ouvindo música. O que será que ela ouve? Dependendo, poderíamos qualquer dia desses iniciar uma conversa sobre sua banda preferida, que poderia também ser a minha banda preferida. Um belo pretexto por um belo objetivo. E então, por causa da moça morena, começo a ficar deprimido. E, por algum motivo, os velhos fanfarrões tem culpa disso.
O rapaz ainda me encara. Sorri sem mostrar os dentes, não resiste e indaga: "O senhor gostaria de se sentar aqui?"
Eu aparento ficar desconcertado. Acabo concordando com a oferta. Mas que fique bem claro que é só por causa da moça morena.

13 comentários:

Lara Utzig disse...

Me deu dó de saber que tem gente que pensa isso deles.
Idosos merecem todo o nosso respeito. Quero ver se essas pessoas que dizem que "velhos são imprestáveis" vão se matar na meia-idade só pra não amadurecerem mais e não terem o mesmo comportamento que tanto criticam nos mais experientes.

Sei la disse...

Esse post me lembra a segunda feira.


E, você vai ser um desses velhos um dia. Aproveite...


Gostei do blog, acompanharei. :D

Cris Évelin disse...

Gostei muito da crônica.Confesso que quando li o título imaginei algo meio moralista tipo novela da Globo. Quando comecei a ler o post fiquei meio assustada com a indisposição contra os idosos. Mas o final da crônica foi surpreendente. Um texto reflexivo às avessas. Parabéns!

Yane Manuela disse...

A velhice está no espírito, e o personagem descobre isso no fim da crônica, enquanto os idosos riem e demonstram vivacidade, ele só reclama e resmunga como um velho.
Adorei!
Beijos

Amor cafona disse...

Bom, tu é simplesmente foda escrevendo né Marvin, e eu achei fantástico o fim. Ninguém pensaria em algo melhor. Abraço

Alex Rodrigues disse...

Final surpreendente! Putz, gostei de mais... ficou lindão! Parabéns

Babi Leão disse...

A Roda gigante da vida né?! Texto bem escrito que me deixou com raiva,mas no final arrancou uma boa risada demim rsrsrs Beijos Marvin!

Tiago Quingosta disse...

Muito bom, texto bem desenvolvido. Apresenta os personagens e a trama logo no início, desenvolve a cena e tem um desfecho muito bom. Dá vontade de saber o que mais o protagonista pensava sobre os nossos velhinhos, até onde vai o preconceito.

Tiago Quingosta disse...

Muito bom, texto bem desenvolvido. Apresenta os personagens e a trama logo no início, desenvolve a cena e tem um desfecho muito bom. Dá vontade de saber o que mais o protagonista pensava sobre os nossos velhinhos, até onde vai o preconceito...

MK Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
MK Santos disse...
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MK Santos disse...
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MK Santos disse...

Em 2005, viajei pela primeira vez para uma cidade (maior que Macapá), as pessoas falavam bem de lá. O grande impacto ao chegar, foi a quantidade de barbaridades no trânsito e principalmente a falta de respeito com os idosos. Lembro-me bem, que minha tia-avó (com uns 65 anos) tinha ido me buscar no aeroporto, e no caminho de retorno, havia uma senhora bem mais idosa chamando ônibus, isso por várias vezes, e nada de pararem. Resolvi perguntar o que estava acontecendo, e ela me respondeu que naquela cidade, motorista algum parava para "velhos", pois eles não davam lucros... Foi quando eu resolvi fazer sinal e o ônibus parou, eu a coloquei para dentro e ela seguiu viajem. Aquilo me deixou tão mal que perguntei a minha tia se era verdade, ela afirmou e ainda enfatizou "eu toda vez que preciso pegar o ônibus, peço para alguém mais novo fazer o sinal"!