Tomou seu sagrado copo com leite,
vestiu o indefectível pijama branco todo listrado de castanho-avermelhado,
beijou o retrato da falecida e foi dormir. Às dez em ponto. Lá pelas duas da
madrugada, o celular tocou estridente, aquela música do Amado Batista que
aprendera a gostar por causa do saudoso pai. Um tanto contrafeito, atendeu a
inusitada ligação:
─ Pois não?
Ele não tinha o costume de dizer
“alô”.
─ Humm... Então você realmente
atendeu, hein!─ disse uma voz masculina lentamente, do outro lado da linha.
─ Ora essa, é claro que eu
atendi, senão você não estaria falando comigo e nem saberia que eu realmente
atendi─ ele observou no relógio em seu braço que eram duas da manhã.─ Mas quem
está falando?
─ Ah, por que essa pressa toda,
Naldão? Vamos brincar um pouco!
Devia haver algum engano naquilo
tudo. Seu nome era Vitório Carlos, nunca conheceu qualquer Naldão ou algum
sujeito de apelido similar. E quem estava falando daquele jeito todo empostado
no telefone era um homem. Um homem! Suspeitíssimo...
─ Escuta aqui, camarada─ disse
Naldão, ops, Vitório Carlos, ─ Você deve estar enganado. Meu nome não é Naldão.
Eu estava dormindo e você me acordou. Vamos encerrar esta ligação por aqui
porque você ligou para o número errado.
─ Como assim, Naldão? Mas eu
liguei 1234-5678. Não é seu número?
─ Olha, é meu número, mas...
Naldão pensou, pensou... Ops,
Vitório Carlos pensou, pensou... Só podia ser marmota do pessoal da empresa.
Ninguém o deixava em paz. Só
porque ele era tranquilo e nunca dava trela para as gracinhas dos colegas de
trabalho. E não era agora que ia dar esse gostinho. Com certeza era uma
pegadinha, talvez uma daquelas de programa de rádio. Pô, mas às duas da manhã??
─ Onde você conseguiu meu
número?─ indagou Vitório, decidido a entrar no jogo dos colegas que queriam dar
uma de espertalhões.
─ Eu peguei seu número na porta
de um banheiro lá no Shopping das Margaridas... Eu me lembro muito bem do que
tava escrito lá, foi por isso que liguei. Desculpa a hora, Naldão, mas é que eu
canto na noite, sabe...
Vitório Carlos estava chocado.
Seu número de celular na porta de um banheiro no Shopping das Margaridas? Desta
vez seus colegas tinham ido longe demais. Estavam ultrapassando a fronteira da
brincadeira e começando a ferir seus sentimentos.
─ Aí você se interessou pelo que
estava escrito lá...─ Vitório Carlos continuou dando corda pro desconhecido.
─ Ah, mas quem é que não ia se
interessar? Veja bem, eu nem sou gay, mas sua propaganda foi tão... matadora,
que eu tinha de conferir.
Nessa hora Vitório deu um
sorrisinho. Pôxa, não é todo dia que dizem que sua propaganda é matadora.
Porém, no segundo seguinte, retomou a compostura:
─ Meu amigo, sinto muito, mas
tenho que dar essa ligação por encerrada. Infelizmente houve um terrível engano
aqui.
─ Mas, Naldão, você me confirmou
que esse é mesmo o seu número. Agora quero marcar um encontro com você. Quero
saber se aquelas medidas descritas lá na porta estão exatas, se você faz tudo o
que promete mesmo... Você não entende, Naldão? De repente essa pode ser a única
oportunidade em nossas vidas de vivermos o amor verdadeiro.
─ Por obséquio, meu chapa!─ xiii,
quando Vitório usava “por obséquio, meu chapa!”, era sinal de nervosismo
extremo─ O meu nome não é Naldão!! Nunca mais ligue pra mim, está entendendo?
Passar bem!
E desligou o telefone na cara do
sujeito. Onde já se viu? Que coisa mais ridícula! Para onde estava caminhando
este mundo? E ele nem sequer imaginava que havia caras que realmente ligavam
para números de telefone escritos em portas de banheiros públicos. Os caras da
empresa conseguiram tirá-lo do sério.
─ Era só o que me faltava─
Vitório Carlos continuou resmungando, enquanto ajeitava o travesseiro sob a
cabeça.─ Eu jamais escreveria meu número de telefone num banheiro do Shopping
das Margaridas...
E Naldão demorou a dormir. Ops,
Vitório Carlos.
4 comentários:
Como sempre, um excelente texto. Prendeu minha atenção do início ao fim, ou seria do início ao recomeço? Fiquei aqui pensando se o "Naldão" foi realmente dormir depois dessa ligação, ou se ficou esperando que o cara do outro lado insistisse. rs. Só tenho uma coisa a dizer, acho que seu texto se encaixa mais com um conto, estilo Fernando Sabino, sabe? Carregado de humor e bom gosto. Mas que saber? Crônica ou conto, tanto faz! Você escreve super bem! Parabéns pela originalidade e bom gosto. Abraço.
Faço minhas as palavras da Juliana Braga.. muito bom mesmo o texto.. parabéns! vc vai looonggeee.. nem que seja lá no Oiapoque..aahhaa to zoando amigo, vc é fera!!!!
muito gostoso de ler ! a imaginação vaaaaai longe .. amei . qero ler mais viu . bjaao
hahahaha, adorei o clima desse "Cronto".
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