Pergunta: Há quanto tempo você e seu namorado estão juntos e como vocês
se conheceram?
ENTREVISTADA #1
ÁGATA BATISTA, 31,
VETERINÁRIA
“Ok. Bem, a gente fez três anos em Abril. Olha, te confesso que eu nem
vi o tempo passar. Parece que essa relação ainda é uma novidade total pra mim. Agora,
sobre como a gente se conheceu... Bem... Nossa! Dá pra ver que eu tô meio
emocionada agora, não dá? É que é difícil falar disso, sabe... Tem um contexto
triste. Tipo, meu namoro com ele é maravilhoso. Mas é difícil falar disso sem
mencionar que eu tinha sido casada antes de conhecê-lo. Por cinco anos.
Noooossaaa... Olha... Foi um casamento bem... Ai, desculpa, é que dá um nó na
garganta. Desculpa mesmo... Bom, o caso é que fazia uns onze meses que eu tinha
me separado e eu tava com o coração fechado pra outros relacionamentos. Eu
tinha perdido totalmente a esperança de encontrar alguém que pudesse valer a
pena. Eu tinha passado por um trauma com um ex-marido alcoólatra, inclusive eu
cheguei a ser agredida por ele... Então... Foi o fim da picada. Ai, me
desculpa...”
ENTREVISTADA #2
CYNTIA FREITAS, 24,
ESTUDANTE DE DIREITO
“Certo. Em Julho fizemos dois anos juntos. Esse namoro é uma bênção pra
mim, não existe outra forma de explicar, entendeu? Eu sou evangélica e acredito
que o meu namorado é um verdadeiro presente de Deus pra minha vida. Eu sei que
hoje em dia muitas mulheres repudiam quando uma mulher valoriza um homem,
porque pensam que isso é dar poder pro homem fazer o que quiser com você. Sim,
é verdade que existem muitos homens que não prestam por aí, que tiram proveito
disso, talvez a maioria. Mas eu digo com toda a confiança que o meu namorado é
um homem maravilhoso e eu o amo muito. Ele apareceu num momento da minha vida
que eu tava querendo desistir do meu sonho de estudar Direito. Meu pai perdeu o
emprego e assim ficou difícil continuar pagando a faculdade, sabe... E o meu
namorado não hesitou em assumir essa responsabilidade. Inclusive, foi num
congresso de Direito que eu tive meu primeiro contato com ele. Foi paixão à
primeira vista, ainda mais com aquele jeito tão charmoso que ele tem.
Hahahahaha!!! Nossa, eu pareço uma menina ingênua de filme romântico, né? Ah! A
gente já sofre com tanta coisa na vida, né? Eu penso assim: se você tem a
chance de ser feliz, seja. E é isso que eu tô fazendo, com a graça de Deus. Eu
queria que ele frequentasse a igreja comigo. Só falta isso pra ele ser o homem
mais que perfeito. Mas eu tenho paciência. A gente aprende a cultivar a
paciência quando ama. Hahahahahaha!!!”
ENTREVISTADA #3
JULIANA MAIA, 29,
YOUTUBER, DJ E FOTÓGRAFA
“Hummm... Se eu bem me lembro, ele foi simples e direto. Chegou logo
elogiando os meus cachos e dizendo que se não tivesse perdido a cafonice, seria
capaz de compor uma releitura daquela música do Caetano Veloso. Aquela ‘Debaixo
dos caracóis’, cê deve conhecer, né? Meu pai adora essa música. Apesar de
parecer realmente bem cafona, não deixou de ser fofo, né? Foi numa festa de
amigos em comum. Depois dessa cantada metida a engraçadinha, não resisti a
querer conhecê-lo um pouco mais, e assim a gente passou boa parte daquela noite
tagarelando sobre tudo que você pode imaginar. Eu amo muito ele, sabe. Queria
que a gente se visse mais, mas infelizmente nossos trampos não permitem, nossas
agendas não batem direito. Mas mesmo assim ele é o meu grande companheiro, o
meu par perfeito, hahahahaha!!! Olha, acho que é a primeira vez que eu me abro
desse jeito sobre o meu namorado, hein. Geralmente eu sou muito reservada.
Enfim, apesar dos trancos e barrancos, já estamos juntos há um tempão”.
ENTREVISTADA #4
ROSANE KIMURA, 32,
PROFESSORA DE ENSINO ESPECIAL
“Eu sou professora de alunos especiais. Deficientes auditivos, visuais
e também intelectuais. Um belo dia, ele foi buscar o filho de um amigo e me
tratou com toda a simpatia do mundo, perguntando sobre o desempenho do Leozinho.
Não vou te garantir que ele realmente estava com todo aquele interesse no
garoto ou se só tava tentando ganhar minha afeição, mas o fato é que o danado
conseguiu. Ele consegue ser encantador de uma forma muito natural, entende?
Diferente de outros homens, que ficam todos desajeitados perto de uma mulher.
Bem, a gente se conheceu ano passado, mas parece que já faz décadas. É, juro
pra você. O jeito como ele se permite ser tanto namorado como amigo. Sempre me
apoia, me ouve, me surpreende. Eu tenho orgulho de ser namorada dele. Eu tive
poucos relacionamentos na vida. E atualmente eu atendo seis alunos. Parece
pouco, mas são crianças com dificuldades muito delicadas, e isso tava tomando
conta de toda a minha vida, a ponto de eu ter parado de pensar em mim mesma.
Ele me ajudou a descobrir que eu tava desperdiçando a vida dessa maneira. O que
ele fez foi tão... divino, que hoje eu me sinto até uma mulher mais bonita. Pra
você ver a que ponto chegou. O resultado disso tudo é que eu tô plenamente
satisfeita. Depois do meu pai, ele é o homem mais maravilhoso que eu já conheci
nessa vida”.
ENTREVISTADA #5
VALÉRIA BRAZÃO, 27,
MICROEMPRESÁRIA
“Peraí, peraí, peraí... Antes, um minutinho: eu já falei o meu nome?
Não lembro de ter falado... Olha, me desculpa se eu sou muito desconfiada, mas
sabe como é, né? Todo cuidado é pouco. Nada pessoal. Eu só gostaria de entender
melhor o propósito de tudo isso. Hihihihihihihi!!! Aaaaai, meu Deus!! Uau! Acho
que eu não devia ter bebido aquelas doses de uísque antes da gente começar.
Você acha que eu sou estranha? Hum, com certeza tá achando. Todo mundo acha. Acho
que... Com licença, tenho que ir ao banheiro. Licencinha, volto já!”
Pergunta: Qual é a lembrança mais especial que você tem com seu
namorado?
ENTREVISTADA #1
ÁGATA BATISTA, 31,
VETERINÁRIA
“Ah, eu nem tenho que fazer força pra lembrar: uma vez eu me queixei
por nós não termos tanto tempo juntos quanto eu gostaria. Então ele me deu um
beagle muuuito fofo e fiquei emocionada igual a uma boba quando ele batizou o
cachorrinho de Bombom. Cara!! Foi o primeiro apelido que eu dei pro meu
namorado, mas eu só o chamei assim nos primeiros meses de namoro. Eu achava que
ele odiava esse apelido!! E aí ele me surpreendeu mostrando que se lembrava
dessa época do início do namoro. Tem coisa mais tocante? Você quer ver o
Bombom? Ele deve estar no quintal almoçando alguma sandália velha”.
ENTREVISTADA #4
ROSANE KIMURA, 32,
PROFESSORA DE ENSINO ESPECIAL
“Uma vez a gente fez um passeio pela orla da cidade, pra ver o
pôr-do-sol, e tinha uns jovens andando de patins. Dois caras passaram correndo
e arrancaram a minha bolsa. Meu namorado não pensou duas vezes e obrigou um dos
garotos a dar os patins pra ele. Hahahahahaa!!! Você acredita que ele calçou os
patins e foi patinando atrás dos bandidos?? Eu tava toda nervosa na hora, com
medo de alguma coisa acontecer. Mas depois quase morri de rir dessa história.
Bom, ele não conseguiu recuperar a bolsa, mas conquistou o título de herói, sem
dúvida. Ah, e um joelho ralado também. Foi aí que eu descobri o quanto ele tá
pronto pra cuidar de mim e me proteger. Não que eu precise disso, mas poder
vivenciar isso faz eu me sentir tão... preciosa. Tão valorizada. E isso é o que
toda mulher quer”.
ENTREVISTADA #5
VALÉRIA BRAZÃO, 27,
MICROEMPRESÁRIA
“Tudo que eu vivo com ele é especial. Os únicos momentos não especiais
são quando ele não está aqui. Mas quando ele não tá aqui eu ligo, mando
mensagem, fico atrás, pentelho mesmo. Pode me chamar de grudenta, namorada-chiclete,
mas eu lá vou dar bobeira com um homão lindo desse? De forma alguma, meu amor.
Concorda?”
Pergunta: Você se considera uma boa namorada? Por quê?
ENTREVISTADA #2
CYNTIA FREITAS, 24,
ESTUDANTE DE DIREITO
“Eu faço o possível. Sou dedicada, romântica, levo o meu compromisso a
sério. E eu oro pelo meu relacionamento. Acho que, se uma pessoa eleva um
relacionamento a um nível espiritual, isso deve dizer muita coisa sobre essa
pessoa, não é mesmo? Modéstia à parte, eu sou uma namorada boa, sim.”
ENTREVISTADA #3
JULIANA MAIA, 29,
YOUTUBER, DJ E FOTÓGRAFA
“Hum... Eu não sei, acho que sim. Você perguntou isso pra ele? Eu não
sou uma mulher muito fácil, na verdade. Como eu disse, meus horários são
complicados e às vezes fico quatro ou cinco dias sem dar notícia. Então, se eu
for uma boa namorada, eu devo isso a ele, por toda a paciência e todo o amor.
Hahahaha!! Sou meio acanhada pra me abrir, você já notou, né?”
Pergunta: O que você não perdoaria num namoro?
ENTREVISTADA #1
ÁGATA BATISTA, 31, VETERINÁRIA
“Definitivamente, traição. Sem mais”.
ENTREVISTADA #2
CYNTIA FREITAS, 24,
ESTUDANTE DE DIREITO
“Traição, sem sombra de dúvida. Só de imaginar que seu namorado às
vezes pensa em uma outra pessoa... Deus me livre! Isso me enoja. Imperdoável.”
ENTREVISTADA #3
JULIANA MAIA, 29,
YOUTUBER, DJ E FOTÓGRAFA
“Acho que... falta de honestidade e respeito. Respeito é o mínimo pra
um relacionamento se manter. Eu fiz um vídeo sobre isso no meu canal, bateu
recorde de views”.
ENTREVISTADA #4
ROSANE KIMURA, 32,
PROFESSORA DE ENSINO ESPECIAL
“Olha, acho que traição é o item número um da lista dos pecados
imperdoáveis numa relação. Mas me sinto madura o bastante pra ter uma conversa
civilizada com meu namorado se isso acontecesse, pra resolvermos como adultos. Provavelmente
seria o fim da relação e a confiança morreria, mas... Enfim, só acontecendo pra
saber. Por quê? Você sabe de algo que eu não sei? Hahahahahaha!! Desculpa. Sou
só uma mulher com um senso de humor mais afiado quando se trata de assuntos mais
tensos. Uma brincadeira não faz mal de vez em quando”.
ENTREVISTADA #5
VALÉRIA BRAZÃO, 27,
MICROEMPRESÁRIA
“Se meu namorado terminasse comigo sem motivo, eu seria capaz de me
transformar numa verdadeira bomba cheia de ódio. Seria capaz das atitudes mais
drásticas. Sério!!!... Eita, que cara é essa??? Hahahahahaha!!! Te peguei,
hein!! Devia ter visto a cara que você fez. Calma! Eu sou legal. Que tipo de
mulher você acha que eu sou? Ah, meu bem, eu sou um doce de pessoa. Só não pisa
muito no meu calo, porque dependendo do dia eu posso ser... hummm... bem instável.
Hahahahaha!!! Você tá começando a fazer a mesma cara outra vez. Tô brincando,
gente!! Nossa!! Ou será que não?? Hahahahaha!! Olha, pra ver essa sua cara
assustada assim, eu poderia ficar fazendo isso o dia todo.”
Milena pressiona o botão pause no controle remoto. A imagem de
Valéria Brazão com a boca aberta durante uma risada escandalosa está congelada
na tela da TV do quarto de Sávio.
“Acho que já chega”, suspira ela, exibindo uma fisionomia pétrea.
“Tem mais uns quinze minutos”, explica Sávio.
“Já vi o suficiente”, ela parece saturada.
“Eu não queria, mas você insistiu”, justifica-se ele.
“Não, não, eu tenho plena consciência disso, Sávio. Não tô arrependida
de ter insistido. Eu só cansei de ver esse monte de mulheres iludidas,
ludibriadas, tapeadas. Algumas são meio creepy, mas não deixam de ser vítimas do Ivan. Coitadas, viu? E sem falar
que... Meu Deus do céu!! A Juliana é uma delas. Tanto tempo que eu não vejo ela
e reencontrá-la nesse tipo de situação...”
“Como é que o Ivan deu essa mancada de namorar você e a sua própria
prima?”, admira-se Sávio, provavelmente suspeitando que Ivan se utilizara
de alguma astúcia para ficar com duas moças com grau de parentesco tão próximo.
“Não sei, mas eu vou descobrir”.
“Fiquei me segurando na hora da gravação pra não contar a elas tudo o
que eu sei”, diz Sávio. “O que você
vai fazer com esse documentário?”
Milena dirige a ele um olhar um
tanto intrigado.
“É assim que você chama esse vídeo?”
“É... Desculpa. Você sabe que eu tenho uma mania chata de demonstrar
senso de humor em horas pouco convenientes”.
“Hummm... Se bem que você fez um trabalho bem profissa mesmo. Aprendeu
a editar vídeo direitinho. Um tipo de capricho que aquele canalha não merce,
mas parabéns pelo resultado.”
Sávio agradece, apesar de soar
estranho, dado às circunstâncias.
“Esse vídeo vai ser meu material de apoio”, esclarece Mile,
analisando o rosto de Valéria na TV. A moça tem a pele branca, usa o cabelo
castanho-escuro curto caindo até à altura do pescoço, com uma vasta franja
cobrindo parte de seus olhos verde-oliva.
“Como assim material de apoio?”
“Pra quando eu for confrontar o Ivan”, assume Milena, retirando o pendrive onde o vídeo (ou melhor, documentário)
está armazenado. “Obrigada, Sávio. Eu
tentei te deixar de fora disso, mas não me contive. Me perdoa!”
“Esse não é o problema”
“Ai, meu Deus!! Qual é o problema então?”, preocupa-se Milena.
“Olha pra você, Mile. Olha pra nós. Você ainda tá agindo como se a
gente fosse distante. Eu pensei que as coisas tinham voltado ao normal”.
Ela baixa a cabeça, envergonhada.
Sávio continua:
“Não quero que você peça desculpas por eu te ajudar com o Ivan.
Desmascarar esse safado é a coisa mais prazerosa que eu posso fazer no momento.
Por favor, não me tira esse prazer”.
Apesar da situação delicada,
Sávio consegue arrancar uma risada de Milena. Não algo vigoroso, mas já é
alguma coisa.
“Vem cá, amigo”, ela abre os braços, recebendo dele um abraço bem
caloroso.
“Como tá o trabalho na AMANDA?”
“Eu inventei pro Ivan que tô resolvendo uns problemas e disse que não
queria pegar nenhum caso por enquanto. O que é uma mentirinha contada pra quem
te vendeu um mundo inteiro de enganações?”
“Verdade”, concorda Sávio, desejando poder dizer mais do que apenas
isso, achando-se impotente para prestar alguma ajuda mais útil.
Sávio a acompanha até o portão,
mas antes passam por Dona Lola no pátio, cortando fatias de uma manga bem
polpuda. A mulher não os poupa:
“Vocês sabem que eu adoro ver vocês juntos, mas ficar sozinhos no
quarto quando cada um de vocês é comprometido com outra pessoa... Já não dá pra
ver com bons olhos. Eu me sinto mal em acobertar esse tipo de situação”.
“E eu que pensei que ia ficar livre de passar vergonha hoje. Obrigado,
mãe!”
“Ah, meu filho, nisso eu sou muito boa”.
“Pode ficar tranquila, dona Lola. Não tenho planos de violar a ordem e
a decência da sua casa tão cedo”, Milena responde, infalível.
Dona Lola ri e acena enquanto os
dois continuam caminhando.
Anna Munhoz está acabando de
chegar assim que eles pisam na calçada.
“Anna?”, fica claro que Sávio não a esperava.
“Desculpa, eu...”, Anna começa a gaguejar, seriamente desconcertada,
especialmente quando crava os olhos em Milena. “Eu devia ter avisado, não sabia que você tinha... companhia. Melhor eu
ir embora”.
“Não!”, exclama Milena, de um jeito tão decidido que acaba atraindo
os olhares ligeiramente incrédulos de ambos.
Milena e Anna se encaram, num
silêncio de poucos segundos que causa a impressão de que o mundo parou de girar
só para conferir esta cena.
“Acho que já tá mais que na hora de nós três termos uma conversa.
Juntos. Uma conversa esclarecedora de uma vez por todas. Uma conversa de
adultos”.
“Mile, você tem certeza que é uma boa hora?”
“Eu tenho coisas pra resolver, Sávio. Já que a Anna tá aqui, por que
não aproveitar e resolver uma dessas coisas? O que você acha?”, ela ergue o
queixo gentilmente em direção a Anna.
Anna hesita por um momento. Ela e
Milena continuam se encarando. Sávio não faz a menor de ideia de qual atitude
tomar. Por algum motivo, ele está se sentindo receoso. Ambas andam com o
emocional desestabilizado por causa de seus respectivos namorados, sendo que
ele próprio é um desses namorados. O que poderia resultar de uma conversa entre
eles?
“Pra ser bem sincera”, declara Anna, “eu acho uma ótima ideia. Vamos ter essa conversa!”
Dizem que as melhores conversas
são aquelas que acontecem sem serem programadas, agendadas. Talvez seja
realmente uma chance para esclarecer ou ajustar as coisas que vêm estado
entaladas na garganta há tantos anos. Ou, talvez, piorá-las. Como disse uma das
namoradas de Ivan no “documentário”, só acontecendo pra saber. E esse dia,
inesperadamente, enfim chegou.
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