O q vc tá procurando? Digite aqui

7 de setembro de 2012

crônica: TALVEZ VOCÊ ADORE ESTE TEXTO



Estúdio de TV. Talk Show recebe um ilustre e peculiar convidado, líder de uma seita que tem crescido assustadoramente nos últimos dois anos.
— Boa noite, caríssimos— diz o apresentador Apelácio Polemicus, com seu sorriso encantador, trajando um terno caríssimo que ironicamente parece não combinar com sua fisionomia de bêbado recém-curado de ressaca.
Apelácio está recebendo em seu duvidoso programa de entrevistas ninguém menos que Maybe Perhapson, um famigerado autor-profeta-sacerdote que fundou a seita mais badalada do momento. Aliás, ele detesta o termo seita. Acompanhemos o bate-papo:
— Sr. Perhapson... Ou devo chamá-lo de pastor, padre...?
— Talvez o termo “reverendo” se encaixe melhor.
— Ótimo. Poderia explicar melhor como se dá sua fé?
— Claro, Apelácio— o sorriso do entrevistado parece se abrir mais do que o do apresentador, ele agora está em seu momento de glória.— Nossa fé, o Talvezismo, tem crescido num ritmo muito rápido. Isso se deve ao fato de nos apresentarmos como uma alternativa mais viável de religião nesses tempos modernos, mas pode ser que não seja apenas isso, entendeu?
— Sim. Em que sua seita... ou melhor, sua doutrina de fé se difere das muitas outras que já existem no mundo?
— Veja bem, o Talvezismo, que muitos fiéis também costumam chamar de Encimadomurismo, consegue coexistir com as outras religiões de uma forma muito pacífica, porque ensinamos que talvez exista um Deus. Nossos livros tem sido amplamente divulgados e finalmente abrimos vários templos em muitos lugares pelo mundo. Com isso, podemos ver que talvez as pessoas estejam se entregado às novas possibilidades espirituais sem culpa.
— Como o senhor sabe que sua seit... opa, sua religião é a melhor alternativa hoje? E por quê?
— Ah, talvez seja porque não colocamos ninguém sob pressão, sob ameaça, sob princípios que talvez estejam errados ou equivocados. Ninguém gosta de compromissos que interfiram no seu bel-prazer.
— O senhor não tem medo de retaliação por parte de líderes de outras religiões?
O entrevistado gargalha gostosamente, ajeita a gravata e, com um olhar quase lunático, enfatiza:
— Talvez.
— Vamos falar sobre os livros da seit... quero dizer, da doutrina Talvezista. Que resultados vocês tem obtido com eles?
— Temos quatro livros lançados, “A doutrina Talvezista pode ser uma boa”, “Experimente uma verdade que talvez te faça feliz”, “Por que não trocar o certo pelo duvidoso se você não tem certeza se o certo não é na verdade o duvidoso?” e “Em cima do muro pode ser mais aconchegante do que se pensa”. Todos eles bateram recordes de vendas e estão há mais de um ano entre os mais vendidos em todas as listas por aí. Você gostaria de algumas cópias, Apelácio?
— Olha, talvez.
— Ok. Talvez eu possa sortear algumas para os telespectadores ou os internautas. 90% dos nossos fiéis foram conquistados através da Internet e da televisão, sabe...
— Sim, sim, estou por dentro. Conte-me, Reverendo, como é o dia-a-dia de um Talvezista. Não é difícil conviver com dilemas e conflitos gerados pela dúvida do que se vai fazer em praticamente tudo?
— Temos nossas dificuldades, meu amado Apelácio, mas que fé seria essa sem percalços e adversidades, não é mesmo? Porém, a inércia causada pelo sistema Encimadomurista é benéfica, pois quando optamos por ficar entre o “sim” e o “não”, acaba acontecendo aquilo que deveria acontecer, o universo simplesmente segue o plano. No fim das contas, por não optarmos por uma postura específica, não somos culpados por algo que dá errado, já que não fizemos absolutamente nada para causar aquilo, entendeu? Somos os únicos que não maculam a pureza do livre-arbítrio, justamente por não lançarmos mão dele.
— Existe conceito de pecado na doutrina Talvezista?
— O pecado é algo que talvez seja ruim, mas não aplicamos penitências ou advertências porque talvez não seja a atitude correta diante algo que talvez esteja incorreto.
— Devo admitir que a fé Talvezista é fascinante, mas só de me pegar pensando em me converter para essa seit... digo, essa fé, sinto-me confuso.
— A confusão geralmente é o primeiro passo quando a pessoa se sente chamada a seguir o Talvezismo. Pode ser que você esteja sendo chamado.
— Chamado? Mas por quem?
— Sei lá. Lembra-se do que eu disse? Vai que existe um Deus...
— Talvez você tenha razão.
— Acho que você está começando a ter uma epifania, Apelácio...
— Acho que muita gente se sente como eu estou me sentindo agora.
— É por isso que eu falei que a nossa doutrina tem sido uma ótima alternativa.
Nesse momento, o entrevistado volta a exibir aquele olhar quase lunático e atrai um close da câmera. Ele aproveita para se dirigir àqueles que estão atentos às suas palavras:
— Talvez você precise dar uma booooa checada na sua vida. Será que não está faltando algo?
Alguns dias depois, começa a bombar na Internet: Humanidade já não sabe mais o que fazer. A única coisa que as pessoas são capazes agora é de encher a mente de doutrina Talvezista. Ninguém mais toma decisões, as pessoas deixam a vida acontecer, não há mais pelo que lutar. Entretanto, alguns pobres coitados sem TV ou Internet continuam a bradar as mais convictas crenças, certezas inabaláveis, opiniões seguras, militâncias políticas e sociais. Enquanto isso, Reverendo Maybe Perhapson, cercado de seguranças, entra em seu carro blindado, vocifera algo para o motorista, engole um antidepressivo e fica em dúvida se passa numa loja de ternos ou volta pra casa para trabalhar num novo best-seller, que pode ser chamado de “Talvez você adore este livro”.

3 comentários:

Rodrigo Ferreira disse...

Marvin, adorei essa sua crônica. Lembrou um conto meu, "Um encontro nada convencional". Continue nos encantando com essas maravilhas que você escreve. ^^

Bright Eyes disse...

Você consegue se superar a cada crônica. Eu amo a maneira como você escreve. Adorei! Essa está entre as minha preferidas.

Elielson Júnior disse...

Talvez essa crônica tenha me deixado confuso. Talvez essa seita, opa, seria interessante se existisse. Mas tenho uma certeza: texto muito bom!!!!